Acupuntura Animal
Acupuntura na medicina veterinária
Atualmente, a acupunctura é uma das formas mais populares de tratamento complementar em medicina veterinária. Até ao momento, não existe uma teoria unificada do mecanismo neurobiológico da acupuntura, mas sim vários modelos e hipóteses para diferentes aplicações clínicas. Esta terminologia, baseada em conceitos neurofisiológicos e neuroanatómicos, permite fazer a ponte entre a abordagem tradicional e a abordagem contemporânea.
Acupuntura na perspetiva Tradicional / Medicina Tradicional Chinesa (MTC)
A Acupuntura é praticada há centenas de anos pelas culturas Orientais, em especial a chinesa, como modalidade terapêutica. A abordagem na Medicina Tradicional
Chinesa (MTC) é essencialmente holística, baseada na filosofia Chinesa Taoista. De acordo com as teorias da MTC, a acupuntura regula o fluxo de Qi e de Xue
através dos canais (meridianos) restabelecendo assim a homeostasia dos principais órgãos (Zhang-Fu) pela ação das leis de Yin-Yang e Cinco Elementos. O estado
de doença é entendido como um desequilíbrio do corpo, onde existe um “padrão” de desarmonia, que está na base desse mesmo desequilíbrio, o qual é diagnosticado
tendo em conta os sinais relacionados com a doença e com o individuo, tais como, temperamento, sexo, idade, atividade e ambiente envolvente do animal.
Na MTC existem cinco ramos de atuação: Acupuntura, Fitoterapia, Terapia Nutricional, Tui-Na e Qi-gong (este último é uma forma de exercícios de meditação, e está excluído
na Medicina Veterinária).
Acupuntura Contemporânea e Ocidental – Western Acupuncture
Ao longo das últimas décadas a comunidade científica tem-se dedicado ao estudo dos efeitos através dos quais a Acupuntura atua. À luz do conhecimento atual, a
Acupuntura é reconhecida como sendo uma técnica terapêutica que consiste na estimulação percutânea de nervos periféricos, receptores nervosos e pontos motores
através da inserção de agulhas sólidas e finas. A sua aplicação na medicina veterinária (Acupuntura Médico-Veterinária) é fundamentada em disciplinas médico
veterinárias tais como a anatomia e neuroanatomia, fisiologia e neurofisiologia, semiologia e patologia clínica. Com base nestes princípios, os médicos
veterinários que usam a acupuntura nos seus doentes, praticam uma técnica terapêutica com reconhecidos efeitos neuro modeladores periféricos e centrais,
integrando-a em tratamentos médicos e cirúrgicos com o intuito de tratar e controlar a dor, assim como atuar sobre disfunções neuro-segmentares somáticas e
autónomas (tais como síndromes miofasciais, síndromes de compressão de nervos periféricos, dor crónica, a incontinência urinária, alterações na motilidade
gastrointestinal, entre muitas outras).
Antes de realizar um tratamento de acupuntura, o Médico-Veterinário realizará uma avaliação diagnóstica que permitirá determinar em que área de inervação
periférica e segmentar se repercute ou origina o problema clínico do animal. Com base nesta avaliação, determina que nervos, segmento neurológico e que
estruturas somáticas irá estimular com a acupuntura. Com frequência, muitos destes locais são estruturas/plexos nervosos e vasculares que correspondem a
tradicionais pontos de acupuntura.
A Acupuntura no maneio e tratamento da dor
A reversão do seu efeito analgésico pela naloxona, demonstrada inicialmente há cerca de 30 anos, ajudou a identificar o envolvimento dos opióides na analgesia promovida por esta técnica (Han, 1983). Como se explica então os mecanismos analgésicos da acupuntura? - Os efeitos analgésicos da acupuntura manifestam-se a 4 níveis distintos:
- Nível local: a nível local, a acupuntura promove a libertação local de neurotransmissores inibitórios contribuindo para a analgesia periférica. Promove também, em todos os tecidos punturados, uma resposta inflamatória local com consequente vasodilatação e chamada de mediadores pro-inflamatórios locais, contribuindo para o acelerar do processo de cicatrização. No tratamento de pontos gatilho atua através da sua desativação e relaxamento muscular.
- Nível segmentar: a introdução de uma agulha de acupuntura (fina e minimamente traumática) através da pele induz a estimulação de fibras A delta localizadas na pele e músculo. Este estímulo inicia uma aferência relativa a um estimulo agudo potencialmente danoso, o qual vai competir, ao nível do corno dorsal da medula, com a transmissão das fibras C (dor crónica) na transmissão ao cérebro. Este efeito será tanto mais potente quanto mais próxima a agulha for colocada da fonte de nociceção ou dos segmentos neurológicos afetados pela disfunção. (Teoria de Gate Control de Melzack e Wall, 1965)
- Nível hetero-segmentar: Após competir com as fibras C, a informação proveniente da punctura ascende pelos tratos espinotalámicos ventro-laterais projetando-se no cérebro. É aqui que vai promover a ativação dos feixes inibitórios descendentes e consequente libertação de NA, 5-HT e opióides. Este efeito reflete-se em todos os segmentos medulares, independentemente do local da punctura. No entanto, sabe-se que será mais potente no segmento onde deu entrada a aferência, pelo que, tanto o diagnóstico como um conhecimento neuroanatómico são fundamentais na hora de eleger os locais a puncturar.
- Nível central: o efeito central da acupuntura consiste na desativação das áreas cerebrais envolvidas na manutenção da dor crónica, nomeadamente sistema límbico (componente emocional da dor), córtex pré-frontal (componente cognitivo da dor), córtex sensitivo e motor (componente sensorial e motor da dor), tálamo e cerebelo.
Se associarmos à acupunctura o estímulo da corrente elétrica (eletro-acupuntura) em frequências alternadamente altas e baixas, será possível obter a libertação de vários tipos de opióides (nomeadamente: encefalina, endorfina e dinorfinas) os quais atuam de forma sinérgica na potenciação do efeito analgésico da acupuntura. Outro benefício da acupuntura é que esta técnica permite ainda tratar Pontos Gatilho, através da sua desativação, sendo mesmo a técnica de eleição para esta condição (Menezes et al., 2010)
A acupuntura no tratamento das disfunções segmentares somáticas e autonómicas
O efeito neuromodulador da acupuntura permite tratar e controlar síndromes de disfunção segmentar com repercussão somática e visceral. É o exemplo das
Síndromes Miofasciais, nas quais, no seguimento de uma agressão periférica (sobrecarga/sobre-uso; traumatismo; sequelas de lesões anteriores; cirurgia, etc)
resulta dor, com consequente inibição motora manifestada por claudicação, perda de força, restrição na mobilidade e da amplitude articular e compensações
posturais anómalas que predispõe ainda mais dor e disfunção.
Outra ação da acupuntura será regular (neuromodular) o sistema autónomo (simpático e parassimpático) dos quais dependem todos os seus efetores (sistema
respiratório, cardiovascular, digestivo, neuro-endócrino, reprodutor, urinário...). Desta forma, condições como bronco-espasmo, obstipação, diarreia, Ilium,
retenção urinária, entre muitas outras, podem ser melhoradas através da sua ação neuro moduladora periférica e central.
Referências bibliográficas
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